De rosto colado
Marilda Wolff
Corre o braço pela cintura. Dançam de rosto colado. Nenhuma palavra. Somente a música os faz falar. Seus passos sincronizados são observados por todos no baile.
Alguns dançantes até chegam a tropeçar em seus próprios pés ao olhar o casal de branco, como pluma a flutuar. Eles nunca param. Vários casais, outros avulsos, de quando em quando, descansam entre um gole e outro.
O casal de branco, em silêncio, num vai-e-vem, faz debruçar na mesa aqueles não muito dotados para a dança. Ela gira. Uma. Duas. Três, e volta a cair doce nos braços do homem, que, novamente, corre o braço pela cintura e dançam de rosto colado.
Olhares vigilantes tentam se aproximar, imitar os passos, mas nada. Com a mente já um tanto embebida, grita o jovem:
— São contratados para animar os convidados!
— Que nada!, grita outro. São dois esnobes que ninguém nunca viu por aqui.
Os abusos os fazem chegar até eles.
— Hei, estranhos, parem!
Conhaque, conversa e riso. Isso também é diversão. Nem ouvem. Continuam a dançar de rosto colado. Casais resolvem fazer competição. Alguns apostam que irão aguentar em passos firmes o ritmo "dos de branco", como começaram a chamá-los. Pouco a pouco, foram desistindo. E todos se importam: na verdade, já havia virado provocação. Eles dançam.
Casais de meia idade pensam que é hora de irem embora, levar suas filhas, mas todas só ficam ali, olhando. Torna-se fixação. E o desejo nasce. Dançar como a mulher de branco, ter um par como a mulher de branco. A música continua a tocar e os sussurros parecem um coro, e, em meio a todo tumulto, eles continuam a dançar.
As ancas da mulher! Que ancas! Deixavam nervosos todos aqueles desacompanhados e acompanhados, numa inveja a espirrar pelos cotovelos.
As meninas cansadas de estarem sentadas, pregadas nas cadeiras pensavam: "Idiotas, ficam olhando a mulher de branco. Querem a mulher de branco". E os idiotas, ali encostados pelos cantos, pensavam: "Estas meninas idiotas ficam olhando o homem de branco. Querem o homem de branco".
E o casal em silêncio dança.
Ninguém mais dança. Todos se perguntam: "Quem são eles"? Ninguém os conhece.
— Quem os convidou?
— Não sei. Já perguntei a tantos.
Viraram a lista de convidados. Nenhum nome desconhecido.
Ninguém os havia indicado. Quanta loucura por causa de um casal de penetras.
Quantos vestidos feitos para desfilar, com seus brilhos estonteantes indo ao encontro de tantos ternos italianos e o casal de branco que brilha? Não é justo.
O amanhecer anunciava a última música. Vibram. Vibram muito. A música para.
Corre o braço pela cintura. Aperta-a. Dançam de rosto colado, em silêncio.
______________
BIBLIOGRAFIA: Schroeder, Carlos Henrique (Org.) Calígrafo Oriental – Coleção Caderno de Autoria | vol.28 – SESC, Lages/SC, 2009.